sim ou não?

questão recente sobre a liberalização dos transgênicos tem sido apresentada ao público como “contra” versus “a favor”, porque sim ou porque não. Essa forma maniqueísta de se colocar um assunto tão importante para a sociedade apenas o torna mais confuso e não ajuda a avançar em busca de soluções. Recentemente, a revista VEJA publicou o artigo “Transgênicos, os grãos que assustam”. Segundo o Instituto de Defesa do Consumidor, aquele texto apresenta uma série de incorreções e omissões, induzindo o leitor a concluir que a transgenia só oferece benefícios e que todos os grupos contrários à liberação de tais organismos, sem as devidas avaliações de riscos à saúde e ao meio ambiente, são irracionais, passionais e inimigos do progresso.

Entretanto, ao nosso ver, o debate não é simples, porque comporta uma dupla dimensão: técnica e ética. Assim, nosso objetivo aqui é tentar ir além do debate entre aqueles que defendem o avanço tecnológico versus os que defendem a natureza, ou os pequenos produtores rurais (ambientalistas e movimentos populares), colocando alguns pontos para reflexão e que, talvez, auxiliem na superação da controvérsia. Transgênicos também são conhecidos como organismos geneticamente modificados (OGMs), por terem sido alterados geneticamente por métodos ou meios que não ocorrem naturalmente.

A modificação genética implica introduzir, em um organismo, material genético de uma outra espécie (vegetal, animal, bactéria ou vírus), buscando “melhorá-lo”. Este processo leva à formação de novas células, ou novas combinações genéticas, que não ocorreriam espontaneamente na natureza. Por ocorrer no nível molecular, a modificação é invisível, podendo somente ser constatada por meio de testes sofisticados. Do ponto de vista estritamente tecnológico, trata-se de um avanço, resultante do conhecimento, cada vez maior, produzido no âmbito da genética, da biologia molecular e da engenharia genética.

Uma forma para se tratar essa questão é dividindo-a em duas dimensões distintas, porém interligadas: uma se refere à pesquisa nas áreas mencionadas acima e a outra à aplicação comercial da biotecnologia, em especial a transgenia. Quanto à pesquisa, os parâmetros para decisão devem ser o nível de investimento que se deseja fazer para o avanço do conhecimento e os limites éticos inerentes à atividade científica. Nesse sentido, as restrições deveriam ser mínimas para não impedir o desenvolvimento biotecnológico. Essa distinção é importante do ponto de vista das decisões políticas e do processo legislativo e, conseqüentemente, do posicionamento da sociedade.

No que se refere às aplicações comerciais, os OGMs podem se transformar em produtos na forma de alimentos, rações, remédios, etc. Sua aplicação na agricultura pode resultar em espécies mais resistentes. A biotecnologia, como qualquer instrumento humano, tem potenciais benéficos e maléficos. O principal problema está no fato de que não se sabe, ainda, quais os seus efeitos na saúde humana e no meio ambiente. Por mais que os dois lados da controvérsia apresentem suas certezas sobre possíveis efeitos negativos, positivos, ou inexistência dos mesmos, o que se sabe, com certeza, é que não há certezas.

Nesse caso, qual o caminho a ser tomado? Aceita-se o risco? Daí a necessidade de envolvimento da sociedade, sobretudo, nas decisões sobre suas aplicações. Com efeito, o debate deveria ser tratado, por um lado, por técnicos especialistas, incumbidos de dimensionar os verdadeiros riscos da biotecnologia (ou a sua inocuidade) para o resto da sociedade brasileira. Esse seria o papel ideal para a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Por outro lado, a decisão política e jurídica necessita de considerações éticas, para as quais a sociedade pode se organizar e decidir até que ponto o risco é aceitável, ou até mesmo desejável.

Como bem alertou Daniel Bodansky, os impactos sociais e ambientais de qualquer decisão política não podem ser autorizados apenas por técnicos e cientistas, mas devem ser dimensionados por atores fora da esfera científica. É justamente a essa confluência que o debate brasileiro não consegue chegar. Conseqüentemente, o princípio da precaução, criado como resposta a esse tipo de impasse, ainda é mal-compreendido no Brasil. O princípio da precaução impõe que a ausência de certeza científica não deve ser um pretexto para que medidas políticas sejam postergadas na apreciação de impactos ambientais.

Assim, o seu primeiro objetivo é o de garantir que a dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispense a prevenção. O segundo objetivo consiste em levar os atores econômicos a renunciarem a determinadas atividades por precaução, buscando, assim, limitar potenciais danos ambientais. Trata-se de uma inovação do direito internacional ambiental e parte da noção de que instrumentos jurídicos, como a sanção e o dever de reparação, não seriam suficientes para proteger o meio ambiente. Antigamente, era necessário esperar que um dano ecológico fosse causado para se poder punir os responsáveis.

Entretanto, danos repetidos causados pela poluição conduziram à busca de um novo instrumento capaz de antecipar os riscos, mesmo em casos nos quais a evidência científica seja insuficiente. Vale lembrar que o princípio de precaução tem sua origem na convergência de duas tendências. A primeira é a demanda da sociedade civil por uma limitação de riscos ambientais por meio da prevenção e a segunda é a evolução do direito ambiental, tanto em âmbito internacional como nacional. Por um lado, a sociedade civil tem mais acesso às informações científicas e exige que os riscos sejam controlados pelas autoridades públicas.

Por outro lado, a comunidade internacional, formada por atores públicos e privados, mobiliza-se em grandes reuniões multilaterais para discutir a proteção internacional do planeta. A relevância do princípio da precaução é sobretudo política, indo além do seu valor enquanto instrumento jurídico. Ele representa uma conquista da sociedade civil que visa prevenir danos e limitar o poder econômico de fazer valer seus interesses em detrimento do meio ambiente e colocando em risco a saúde humana. Se não há certezas sobre possíveis efeitos negativos, o desejo da sociedade, expresso nesse princípio, é a cautela.

Concretamente, isso significa esperar até que sejam feitos estudos, testes e avaliações suficientes para garantir que não haja riscos. A produção de alimentos no mundo já é suficiente para alimentar toda a população, sendo que a fome é mais um problema político do que tecnológico. Desse ponto de vista, cabe a espera, sendo que a pressa nas decisões é uma expressão do interesse de alguns grupos contra o interesse maior da sociedade. A resposta para a questão dos transgênicos não é nem sim nem não, mas que vale a pena aguardar até que haja conhecimento suficiente para uma decisão.


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