O Purgatório no Magistério da Igreja
2) Magistério da Igreja
Até o século IV, a crença na existência do purgatório é atestada principalmente pelos sufrágios que os cristãos faziam por seus defuntos, mormente ao celebrarem a S. Eucaristia. A praxe dos sufrágios, usual já nos tempos de Judas Macabeu (século II a.C.), continuou sem interrupção na Igreja. Já que os cristãos não oram pelos réprobos, estas preces supõem fieis que, terminado o seu currículo terrestre, ainda não entraram na posse da bem-aventurança, podendo ser ajudadas nisto pelos irmãos sobreviventes na terra.
S. Agostinho (+ 430) e os escritores subsequentes afirmam mais explicitamente a existência da expiação póstuma anterior ao juízo universal.
O magistério da Igreja colheu e exprimiu a fé do povo de Deus em alguns documentos, que equivalem a definições doutrinárias.
Eis, por exemplo, um trecho da Constituição “Benedictus Deus do Papa Bento XII promulgada em 1336:
“A almas... dos fieis falecidos... dado que nada tenha havido a purificar quando morreram ou nada haja a purificar quando futuramente morrerem, ou – caso tenha havido ou haja algo a purificar – uma vez purificadas após a morte... essas almas, logo depois da morte e da purificação de que precisam,... foram, estão e estarão no céu” (Enquirídio, DS ns. 1000 [530]).
Como se vê, este documento ensina a necessidade eventual de purificação póstuma, purificação que, sendo transitória, preparara a entrada na visão celeste.
O II Concilio de Lião (1264) declarou:
“Se (os cristãos que tenham pecado) falecerem realmente possuídos de contrição e caridade, antes, porém, de ter feito dignos frutos de penitência por suas obras más e por suas omissões, suas almas, depois da morte, são purificadas pelas penas purgatórias ou catartéricas... Para aliviar essas penas, são de proveito os sufrágios dos fieis vivos, a saber, o Sacrifício da Missa, as orações, esmolas e outras obras de piedade que, conforme as instituições da Igreja, são praticadas habitualmente pelos cristãos em favor de outros fieis” (DS 1304 [693]).
O Concílio de Trento (1545-1563) reafirmou a existência do purgatório nos termos do anterior. Prescreveu aos bispos “fizessem que os fieis mantenham a creiam a sã doutrina sobre o purgatório” e “sejam excluídas das pregações populares à gente simples as questões difíceis e sutis e as que não edificam nem aumentam a piedade. Igualmente não seja permitido divulgar nem discorrer sobre assuntos duvidosos ou que trazem a aparência de falso. Sejam ainda proibidas como escandalosas e prejudiciais aquelas coisas que têm em vista provocar a curiosidade ou quem têm o sabor de superstição ou torpe lucro” (DS 1820 [983]).
Destas palavras depreende-se que o Concílio de Trento foi sóbrio e reservado nos seus pronunciamentos acerca do purgatório; procurou, sim, evitar que se confunda a doutrina da fé com expressões da fantasia popular.
Fazendo eco à constante doutrina da Tradição e do magistério da Igreja, o Concílio do Vaticano II na Constituição “Lumen Gentium” afirmou explicitamente três estado em que se possam encontrar os discípulos de Cristo: 1) o de peregrinação na terra; 2) o de purificação póstuma; 3) o de glorificação no céu, conseqüente da visão de deus face-a-face:
“O Sacrossanto Sínodo recebe com grande respeito a venerável fé de nossos antepassados sobre o consórcio vital com os irmãos que estão na glória celeste ou ainda se purificam após a morte, e propõe de novo os decretos dos Sagrados Concílios Niceno II, Florentino e Tridentino” (nº 51).
“Reconhecendo cabalmente a comunhão de todo o Corpo Místico de Jesus Cristo, a Igreja terrestre, desde os primórdios da religião cristã, venerou com grande piedade a memória dos defuntos e, porque é um pensamento santo e salutar rezar pelos defuntos para que sejam perdoados os seus pecados, também ofereceu sufrágios em favor deles” (nº 50).
“Até que o Senhor venha na Sua Majestade..., alguns dos seus discípulos peregrinam sobre a terra; outros, já glorificados, contemplando claramente o próprio Deus, uno e trino, tal qual é” (Const. “Lumen Gentium” nº 49).
Embora se achem em situações diversas (em via de consumação ou consumados), os fieis constituem uma só grande família, ou seja, “a comunhão de todo o Corpo Místico de Jesus Cristo” (ib. nº 50), pois “todos os que são de Cristo, tendo o seu Espírito, formam uma só Igreja e nele estão unidos entre si” (nº 49). A morte não acarreta interrupção da comunhão eclesial; ela não extingue a comunhão vital existente entre os fieis peregrinos na terra, os irmãos que já se encontram na glória celeste, e aqueles que estão ainda a purificar-se após a morte (cf. IB. nº 51). Ao afirmar esta proposição, o Concílio do Vaticano II apela explicitamente para os Concílios de Nicéia II (787), Florença (1439-1444) e Trento (1545-1563).
Não resta dúvida, pois, de que a doutrina do purgatório constitui um dogma de fé que a Igreja definiu outrora conscientemente e reafirma em nossos dias por seu magistério ordinário e extraordinário.
Importa agora verificar com exatidão qual o conteúdo desse ensinamento da fé.
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