A Teologia da Libertação é, por um lado, uma teologia polêmica, mal compreendida, difamada e condenada e, por outro, uma teologia saudada como a primeira produção teórica nascida na periferia do cristianismo, que apresenta um novo modo de fazer teologia, a partir dos pobres e contra a sua pobreza, profética e com um apelo à consciência ética da humanidade, por colocar no centro de sua preocupação a sorte das grandes maiorias condenadas à miséria e à exclusão por causa das minorias nacionais e internacionais insensíveis, cruéis e sem piedade.
Por isso, membros da Teologia da Libertação, desde os anos 70, desapareceram ou foram perseguidos, presos, torturados e assassinados: bispos, padres, teólogos, religiosos e religiosas, leigos, jovens, homens e mulheres. A causa conquistou, em razão de sua dignidade, admiração e respeito de espíritos generosos do mundo inteiro.
Nascida no final dos anos 60 do século passado, ela continua viva e atuante, especialmente na América Latina, na Ásia, na África e em vários centros da Europa e dos Estados Unidos.
Na esteira das rebeliões dos anos 60
A Teologia da Libertação deve ser entendida na esteira das rebeliões jovens que irromperam em muitas partes do mundo a partir de meados dos anos 60 do século 20. Tratava-se de criticar as instituições tradicionais como a família, o Estado burocrático e a cultura dominante por seu caráter autoritário e centralizador. Criou-se uma cultura da liberdade e da criatividade. Como as Igrejas estão dentro do mundo, foram também elas perpassadas por esse ar libertador. Daí se explica, em parte, a Teologia da Libertação.
Simultaneamente, na América Latina os pobres invadiam a cena política com movimentos organizados, dos quais participavam muitos cristãos. Estes se perguntavam: em que medida o cristianismo, junto com outros, ajuda a libertar a humanidade, e não é um simples fator de acomodação e de legitimação do status quo? Formulado em termos teológicos: “Como anunciar que Deus é bom em um mundo de miseráveis?”.
Só podemos anunciá-lo de forma convincente e crível se mudarmos este mundo de ruim em bom. Então, temos uma mediação histórica que torna verossímil crer na bondade de Deus. Caso contrário, vivemos uma fé alienada e estéril. Ao contrário, a própria fé no Deus bíblico nos fornece motivações para transformar este mundo, pois Ele se revelou como aquele que escuta o grito dos oprimidos no Egito e abandonou sua transcendência e desceu à terra para libertá-los.
Vale ainda lembrar o significado do Concílio Vaticano II (1962-1965), que criou um espírito de aggiornamento e a mobilização que representavam figuras proféticas como Dom Helder Câmara no Brasil e o bispo Larrain no Chile. Eles cedo entenderam que o nosso subdesenvolvimento era a outra face do desenvolvimento dos países centrais e que isso representava uma dinâmica de opressão que deveria ser rompida. À opressão contrapunham a libertação. Assim nascia o termo e sua alta significação política e religiosa.
Tendências da Teologia da Libertação
Desde o início se entendeu que o sujeito dessa libertação seria o próprio pobre quando conscientizado, organizado e disposto a se engajar em favor de mudanças sociais. Fundamental para essa compreensão foi Paulo Freire, com sua “pedagogia do oprimido” e a “educação como prática da liberdade”. Ele mostrou que o pobre não é um pobre, mas um empobrecido, feito pobre por relações econômico-sociais que o oprimem. Não é um ignorante, mas produtor de outro tipo de cultura e portador de força de transformação social. Se a libertação não for resultado da luta dos próprios oprimidos, nunca será verdadeira libertação. As Igrejas e outros grupos poderão e deverão ser seus aliados, mas jamais os protagonistas.
Por essa razão, a marca registrada da Teologia da Libertação é a opção pelos pobres, contra sua pobreza e em favor de sua vida e liberdade. Se os pobres são oprimidos, eles o são de muitas maneiras: pela opressão econômica que os faz carentes e excluídos; pela opressão racial que atinge os negros; pela opressão étnica que afeta os índios; pela opressão sexual que diz respeito às mulheres submetidas ao patriarcalismo desde o neolítico (há 10 mil anos) etc.
Para cada opressão específica se elaborava sua correspondente libertação. Assim, surgiu uma Teologia da Libertação feminina, negra, índia e, nos últimos anos, ecológica. Entendeu-se que a Terra é tão ou mais explorada que os pobres. Por isso ela deve ser inserida na opção pelos pobres contra a pobreza, especialmente agora que está ameaçada pelo aquecimento global.
Método e prática libertadora
A palavra primeira da Teologia da Libertação é a prática. No início de tudo estão os movimentos sociais ativos. Depois vem o fenômeno da Igreja da Libertação, que se expressa pela troca de lugar social de seus agentes: o bispo abandona seu palácio, padres, religiosos e religiosas vão morar nos meios populares, teólogos combinam o trabalho acadêmico com a inserção no movimento popular. Surgem as comunidades eclesiais de base, a leitura popular da Bíblia e as várias pastorais sociais, por terra, por teto, pelo índio, pelo negro, pela saúde e outras. Esse ensaio funda uma verdadeira eclesiogênese, o nascimento de um novo modelo de Igreja. Após essa diligência, entra a Teologia da Libertação como momento de reflexão e crítica de tais práticas.
Ela utiliza um método que possui algo de revolucionário. Parte primeiramente da percepção da realidade em suas várias dimensões (ver), e aí se identificam quais são os desafios principais. Aqui surgem as questões relevantes que movem o povo. Em segundo lugar, faz-se o juízo crítico dessa realidade (julgar) à luz das Escrituras, da teologia e da grande tradição da fé; então se discernem os momentos de graça e de pecado da realidade e se realçam os pontos que devem ser transformados. Por fim, vem o compromisso efetivamente libertador (agir) com a definição das estratégias, a distribuição das tarefas e o trabalho concreto sobre a realidade.
Esse método é o mais temido e combatido pelo Vaticano, pois atinge exatamente o ponto mais fraco de todas as suas intervenções: de serem autoritárias, escritas em grupos fechados, afastadas da realidade, dedutivistas e meramente doutrinais, geralmente desgarradas dos processos históricos. Esse método desafia as demais correntes teológicas a não serem meros produtos de consumo interno dos cristãos, mas momentos de reflexão das questões relevantes da humanidade, sob risco, caso contrário, de não escapar da pecha de alienação e de cinismo histórico.
Os dois documentos do Vaticano, de 1984 e 1986, um condenatório e outro mais positivo, deram crédito aos detratores dessa teologia, pois isso convinha à visão burocrática do Vaticano, refratária a qualquer mudança. Por isso os teólogos não se sentiram aí representados. O efeito de tais intervenções foi parco, pois os pobres do mundo aumentaram, o que reforçou a urgência dessa teologia, praticada nas Igrejas que articulam fé e justiça e dão centralidade aos pobres. Os dois Fóruns Mundiais da Teologia da Libertação, o de Porto Alegre (2005) e o de Nairóbi (2007), mostraram sua vitalidade em todos os continentes.
Questões relevantes em discussão
Cada continente elabora questões específicas na ótica da libertação. Na América Latina, há uma forte corrente que discute a relação da economia de mercado com a ética e as novas formas de dominação global. Crescente é a preocupação ecológica, pois sabe-se que o futuro da vida no planeta passa pela forma como trataremos a Amazônia.
Na África, continua atuante a questão da aculturação. Reivindica-se o direito que tinham os primeiros cristãos de assumirem as matrizes das culturas em presença de onde resultou o cristianismo atual. As culturas africanas não são ocidentais nem cartesianas; elas podem conferir outro rosto ao cristianismo.
Na Ásia, a grande questão é o diálogo inter-religioso. Em que medida Jesus se relaciona com os grandes mestres das grandes tradições do Oriente? Eles também não seriam figurações da dimensão “Cristo” que não pode ser monopolizada por Jesus de Nazaré?
Concluindo, cabe dizer: o importante não é a Teologia da Libertação, mas a libertação histórica dos oprimidos.
Leonardo Boff é teólogo da libertação, professor emérito de Teologia Sistemática entre os Franciscanos de Petrópolis, RJ, e de Ética na Universidade do Rio de Janeiro. Autor de mais de setenta livros em várias áreas da teologia, da filosofia e da ecologia.
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